terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

«OPINIÃO» DIREITOS À MANIFESTAÇÃO VERSUS RESTRIÇÕES DOS DIREITOS, LIBERDADE E GARANTIAS - DR. HENRIQUE AUGUSTO PINHEL


Nos últimos meses o país tem vivido constante reivindicações, revoltas e inquietações populares pelo facto dos servidores políticos/públicos não conseguem cumprir, no mínimo, as funções do Estado: A segurança, a Justiça e o Bem-estar social, económico e cultural dos concidadãos. É um facto histórico na nossa democracia, o surgimento de diversos movimentos cívicos, nos últimos meses, por lado é uma vitória da nossa jovem democracia, e por outro lado, é uma consequência da crónica instabilidade política no nosso país nos últimos anos, que tem afetado negativamente a melhoria de vida da maioria parte da população. Estes Movimentos da Sociedade Civil devem pautar pelo princípio de imparcialidade nas suas atuações públicas.

 A participação popular no espaço político constitui uma alavanca que visa a despertar a consciência da sociedade em geral dos falhanços permanentes dos governantes. Mas, estas participações e ações cívicas (manifestações) não podem resumir e centralizar no apoio ou não ao Governo, ao PAIGC, ao PRS e outros partidos com ou sem assento parlamentar, aos 15-1=14 deputados dissidentes do PAIGC, à Presidência da República. As Organizações da Sociedade Civil devem defender o interesse da coletividade: O Bem-comum, a paz, a justiça, a estabilidade politica, a segurança, o bem-estar social de todo do povo e deixar a responsabilidade a juventude dos partidos políticos o papel de manifestar a queda ou apoio ao governo, à renúncia ou cumprimento do mandato do Presidente da República. As manifestações imbuídas deste espirito de apoiar fulano ou condenar publicamente o beltrano carecem da legitimidade moral. E os jovens ativistas devem pautar pelo respeito aos princípios e aos valores fundamentais da comunidade: a honestidade, a transparência, a isenção, a imparcialidade e a dignidade da pessoa humana.

A democracia, no seu sentido originário deriva da língua grega “demokratía” (demos=povo + katros=poder). A base e o fundamento da nossa organização política e estadual, o poder pertence ao povo, segundo plasmado nº1 do artigo 2º da Constituição da República da Guiné-Bissau “ A soberania nacional da República da Guiné-Bissau reside no povo”. O povo da Guiné-Bissau é soberano e não os titulares dos cargos políticos ou públicos que reside à soberania. Isto quer dizer que cabe ao povo guineense definir e decidir o destino que quer seguir e  escolher os governantes, que cabe-lhe representar no hemiciclo. Numa democracia representativa, o povo elege titulares dos cargos políticos a fim de defender os seus interesses: O bem-estar e a felicidade, que é o fim último de qualquer ser humano.

Os Direitos, Liberdades e Garantias consagrados no ordenamento jurídico guineense são direitos inalienáveis e intransmissíveis, e o seu exercício devem ser garantidos e protegidos pelos titulares dos cargos políticos/públicos e a suspensão da sua vigência deve respeitar os princípios consagrados na Constituição da República da Guiné-Bissau.

Os direitos fundamentais estão, desde logo, constitucionalmente protegidos contra os órgãos de soberania, que “ não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de emergência, declarados express verbis, nos termos do artigo 30º da CRGB.


O estado de sítio ou de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou em caso de calamidade política.

O ordenamento jurídico guineense obriga a todas entidades públicas e privadas, o respeito dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados em diferentes leis nacionais, continentais e internacionais que a Guiné-Bissau ratificou.

A Carta das Nações Unidas, elaborada em São Francisco em 1945, já se refere a direitos e liberdades fundamentais, mas sempre entendeu que a intervenção só é válida num quadro de promoção, estimulo, auxílio ou recomendação.

Os direitos à liberdade de manifestar livremente, sem meios violentos estão consagrados no artigo 20º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotado e proclamada pela Assembleia Geral na sua Resolução 217ª (III) de 10 de Dezembro de 1948, nos termos do qual está plasmado que toda pessoa tem à liberdade de reunião e de constituir uma associação pacífica. O entendimento que podemos retirar deste preceito, se os cidadãos têm o direito e a liberdade de constituir a associação pacífica, portanto estas associações, nos usos das suas competências, tem o direito de exercer atividade cívica, neste caso, entre as quais, o direito à manifestação.

A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA), lê-se UA (União Africana), em Banjul, em Janeiro de 1981, intitulada Carta de Banjul, ratificada pelo Estado da Guiné-Bissau, consagra no artigo 10º e 13º que: Toda pessoa tem direito de constituir associações e de se reunir livremente com outras pessoas…A reunião prevista neste preceituado deve ser interpretada extensivamente, ou seja, o direito de reunir, manifestar, dar opinião, intervir na vida pública do interesse da coletividade.

Por último, a Constituição da República da Guiné-Bissau consagra o direito e a liberdade dos cidadãos reunir e manifestar pacificamente. Este preceito Constitucional está consagrado nos números 1 e 2 do artigo 54º da CRGB.

Os direitos, liberdades e garantias previstas no nosso ordenamento jurídico vincula às entidades públicas e privadas e só podem ser restringidos nos casos previstos na Constituição.
Ouvimos, recentemente que o Ministério do Interior emitiu um despacho, no qual ordenou a suspensão do direito à manifestação por um tempo indeterminado. Este despacho fere gravemente a constituição e as leis, por isso, é inconstitucional e  ilegal.
O princípio da legalidade significa, desde logo, que atividade administrativa, seja de autoridade, seja de execução de prestações (administração social e infraestrutural), seja concreta, seja normativa, não pode ser ilegal, não vale contra a lei- princípio do “primado da lei. A “preferência da lei” sobre os atos ou regulamentos administrativos (despachos).

Por outro lado, os direitos, liberdades e garantias estão sob reserva de Lei Parlamentar. As restrições dos Direitos, Liberdades e Garantias só podem ser admitidos por uma lei (Lei parlamentar aprovada numa Sessão da Assembleia Nacional Popular) restritiva e esta deve respeitar o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, que se divide em três subprincípios: princípio da necessidade, adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. É de exclusiva competência da Assembleia Nacional Popular legislar sobre os Direitos, Liberdades e Garantias, plasmado na alínea k), do artigo 86º da CRGB.

A opção pela suspensão dos direitos, liberdades e garantias em caso de estado de sítio e de emergência, bem como as respetivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às extensões e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao ponto de restabelecimento da normalidade constitucional.

Ao Ministério do Interior não cabe à competência de declarar ou limitar o exercício dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados no ordenamento jurídico guineense, por lado, não é um órgão de soberania (Presidência da República, Governo, ANP e os Tribunais). Cabe ao Presidente declarar o estado de sítio e de emergência, nos termos da alínea v), do artigo 68º da CRGB, que se rege: São atribuições do Presidente da República, entre as quais, declarar o estado de sítio e de emergência, nos termos do artigo 85, nº1, alínea i), da Constituição. Estamos perante uma remissão explícita a que se refere à competência da Assembleia Nacional Popular no que diz respeito à pronúncia sobre a declaração de estado de sítio e de emergência. Entendemos nós, que a iniciativa de declaração de estado de sítio e de emergência compete à ANP e não ao Ministério do Interior. O exercício dos Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais só poderá ser suspenso ou limitado em caso de estado de emergência, declarados nos termos da Constituição e da lei. Ou seja, para que haja a proibição do exercício dos Direitos, Liberdade e Garantias, neste caso, em concreto, direito à manifestação, deve haver primeiramente uma declaração de estado de sítio e de emergência, mas existe uma competência partilhada entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional Popular, cabe a esta a competência de pronunciar e àquele à competência de declarar o estado de sítio e de emergência.

Ministério de Interior é o departamento do governo da Guiné-Bissau responsável pela execução das políticas da segurança pública, de proteção e socorro, de imigração e asilo, de prevenção de segurança rodoviária e pela administração de assuntos eleitorais. O ministro do Estado e Interior responde diretamente perante ao Primeiro-ministro. Nem o PM tem a competência de restringir, limitar ou suspender os direitos, liberdades e garantias, quanto mais o ministro de Estado e Interior.

Na base destas atribuições do Ministério de Interior, cabe-lhe assegurar a manutenção e garantir a segurança da manifestação pacífica. O pedido que os organizadores da manifestação devem endereçar ao Ministério do Interior é de dar o conhecimento e solicitar a segurança no dia da realização da marcha ou manifestação.

O não cumprimento deste procedimento do ato administrativo ou indeferimento do pedido, da presença da força de segurança no dia da realização da manifestação, os organizadores dispõem de meios de tutela dos seus direitos, in casu, o direito à manifestação. Porém, o Estado de Direito acrescenta algo mais, como já vimos, reserva de jurisdição dos tribunais, órgãos independentes e imparciais, com a igualdade entre as partes, e que decidem segundo critérios jurídicos; 1º) a possibilidade de os cidadãos se dirigirem a tribunal para a declaração e a efetivação dos seus direitos (in casu direito à manifestação) não só perante outros particulares mas também perante o Estado e quaisquer entidades públicas, neste caso o Ministério do Interior.

Os Tribunais são órgãos da soberania com a competência de administrar a justiça em nome do Povo e não em nome ou em encomenda dos políticos e de interesses alheios ao Estado.

Os Direitos Liberdades e Garantias vinculam as entidades públicas e privadas ou seja, todos têm a obrigação de cumprir sem qualquer reserva.

A consagração jurídico-constitucional e legal dos cidadãos, o direito à informação e à proteção jurídica, nos termos da lei, previsto no artigo 34ºda CRGB.

Em caso da morosidade da decisão do tribunal de declarar e condenar o Estado ao respeito dos Direitos e Liberdades, ainda os autores da marcha dispõem de um outro meio de tutela de assegurar com brevidade o exercício do direito à manifestação, que podem entrar com uma ação de providência cautelar, que pode ser: antecipatória ou conservatória do direito. No caso concreto em análise, a providência cautelar adequada a este facto jurídico é a modalidade antecipatória, permitindo assim uma sentença provisória e urgente do Tribunal a declarar a ilegalidade/nulidade do despacho e autorizar coercivamente o Ministério do Interior disponibilizar as forças de ordem e segurança para garantir a realização da manifestação ordeira e pacífica.

Para concluir, os direitos, liberdades e garantias constituem matérias intocáveis em caso da revisão constitucional, ou seja, nenhum projeto de revisão poderá afetar, os direitos, liberdades e garantias. Estamos perante um limite material da revisão constitucional, os deputados não podem, por qualquer iniciativa de revisão constitucional revogar ou extinguir os Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do artigo 130º, alínea e) da Constituição da República da Guiné-Bissau.

Nô sta djunto!

Henrique Augusto Pinhel

Jurista, Mestrando em Direito: Especialização em Ciência Jurídica-Forense na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Ativista dos Direitos Humanos e Membro da Amnistia Internacional de Portugal, Núcleo de Coimbra

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